Há duas semanas, minha casa estava cheia de músicas religiosas. Os dois brasileiros que pintavam minha sala de estar conversavam a respeito de mulheres, carros, a vida nos EUA, as novidades da comunidade brasileira e, mais especificamente, da Igreja Universal. De tempos em tempos, um deles cantava um hino religioso. As músicas me deixaram pensando sobre aqueles dois jovens que tinham tanta fé que sentiam a necessidade de louvar o Senhor durante o horário de trabalho.
Nos dias em que eles estavam pintando a minha casa, chegavam às 8 da manhã, paravam menos de meia hora para almoçar e só iam embora às seis ou mais tarde. Lembrei-me da reputação que o povo brasileiro tem de ser preguiçoso e conclui que isso não podia estar mais longe da verdade: aqueles caras trabalhavam duro. E não eram exceção. Quase todos os brasileiros que encontro aqui nos EUA trabalham muito. As mulheres limpam casa de segunda a sábado, descansando apenas no domingo. Os homens se dedicam à construção, fazendo trabalhos que os americanos se recusam a fazer.
Os brasileiros têm o hábito de falar mal dos seus compatriotas. Há muitas piadas sobre a preguiça inerente dos brasileiros. Em 1928, o escritor Mário de Andrade escreveu o romance "Macunaíma" no qual ele retratava um herói sem caráter, sempre com preguiça de fazer qualquer coisa. O romance se tornou um clássico da literatura brasileira.
Por alguma razão, os brasileiros se orgulham de suas façanhas no futebol, da beleza de suas mulheres, das suas florestas e praias, mas não da forma como o povo trabalha. No Brasil, parece quase um pecado elogiar alguém que trabalha duro. É mais comum caçoar dessas pessoas e fazer de conta que ninguém trabalha.
Depois de ter vivido nos EUA há 26 anos, esse é um dos mistérios da cultura brasileira que acho difícil de entender e explicar aos estrangeiros. Os americanos admiram a alegria de viver dos brasileiros mas também elogiam nossa ética profissional. Quanto a nós, preferimos ressaltar que os brasileiros falam no celular enquanto dirigem e também bebem e dirigem. Mas os americanos não são famosos por fazerem isso também? Eu tinha um amigo americano que dirigia falando no celular que ele segurava com uma mão, enquanto com a outra equilibrava uma xícara de café. Os brasileiros dizem que seus compatriotas não respeitam filas e espalham mesas nas calçadas. E os franceses que ignoram totalmente o conceito de filas e têm inúmeros cafés nas calçadas? Dizemos que os brasileiros falsificam documentos. Que tal aquela cidade inteira na Romênia cheia de vigaristas que ficam ricos roubando dinheiro pela internete? Ah, os brasileiros são preguiçosos? E os espanhóis, que tiram sonecas de duas horas, ou os tailandeses que também dormem depois do almoço seja lá onde estiverem? Engraçado como preferimos ignorar esses fatos ...
Da mesma forma que os homens brasileiros gostam de cultivar a sua reputação de "macho", parece que o povo brasileiro em geral gosta de cultivar a imagem de alguém que não está nem aí para o trabalho. O que está errado em admitir que fazemos um bom trabalho e ter orgulho disso? Acho que essa é uma pergunta que os brasileiros não serão capazes de me responder.
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