Saturday, December 2, 2023

 

 


CRAZY LOVER (AMANTE DESVAIRADA)

 


My fingers, my hands, sometimes speak. They write melancholic stories that I can't always explain. They speak of suffering, of struggles. They cry for help, they scream. They express fear, anguish. They try to describe strange smells and journeys to places that I dare not mention. Gloomy places, where the day hides behind the endless night, where sobs try to escape before being repressed, afraid of what others might think.

Ah, the others. Sometimes I sigh, wishing I had been born as light as the breeze, capable of seeing only the superfluous and laugh, laugh all the time at this crazy life. However, I was born pensive, introspective, in a world where sadness is a thing of incompetent people, incapable of dealing with their own emotions.

My soul cries. Forgive me for being inconvenient, for saying what you don't want to hear. I know very well you'd rather I pretend that what I feel doesn't exist and never existed. That I never existed?

My soul cries, immersed in deep depression, knowing that only depressed people like me would understand this endless unexplained sadness, without a time to arrive or leave. I wake up thinking: will she come visit me today? If she comes, how many days will she stay? And I pray, I pray fervently to get rid of her, without wanting to admit that she is part of me, that cutting off that piece of myself would be like mutilating myself. I pray anyway, I pray ardently. And I clean the house, cook, walk around aimlessly or read inconsequential books. I pray, I scream, I slam doors, I shut up, I sleep. All in a futile attempt to escape this self that I abhor, that scares me, that makes me think about death, even though I know that depression wants me alive to continue in this torment.

The others? Ah, the others... They would advise me to look for something to entertain myself, to stop thinking about the mistakes I made or were committed against me in the past. They would probably tell me to go out dancing and twirling around the world, drinking and singing, grateful for all my privileges. They don't understand that the dark lady of depression is an illness and, like any illness, selfish and jealous. She wants me just for herself. She consumes my days and nights. When she arrives soundlessly or suddenly, I think only of her while she embraces me like a close friend who has known me for a long time. She waits quietly for my moments of weakness, the thoughts that will invariably lead me to her. She knows my deepest secrets more profoundly than any lover. 

When she visits me, the outside world stops existing. The sunny day loses its brightness, food loses its taste, loved ones become inconvenient. How can I pay attention to what is happening around me when I am in perfect symbiosis with this delusional and seductive lover who grabs me, possesses me, closes my eyes and shouts, in a voice more powerful than the wind, that we will be together forever, that she will never leave me? 

Well-intentioned people advise me to take medication, try innovative treatments, home remedies, to calm my heart and meditate. Have I tried thinking positive thoughts? Run, swim, lift weights... Have I tried doing physical exercise? I pretend to listen, knowing that all of this is just a palliative, that the illness will return after a few days, weeks, months. Hasn't it always been like this? I listen, politely, aware that melancholy awaits me hidden behind a phrase that was said to me without the intention of hurting, but that hurts, a relationship that was cursed from the start, someone ignoring me at a moment that it was important for me to be heard.

And so we go on, she and I, moving through the world arm in arm, excluding everything and everyone in our crazy moments of love. I know her so well, but I'm embarrassed when I want to talk about her. How to describe this part of me that no one wants to see?

AMANTE DESVAIRADA

 

Meus dedos, minhas mãos, às vezes falam. Escrevem histórias melancólicas, que nem sempre posso explicar. Falam de sofrimentos, de lutas. Pedem socorro, gritam. Exprimem medo, angústia. Tentam descrever cheiros e viagens inexplicáveis para lugares que nem ouso mencionar. Lugares sombrios, onde o dia se esconde atrás da eterna noite, onde soluços tentam escapar antes que sejam reprimidos, com medo do que os outros poderiam pensar.

Ah, os outros. Às vezes suspiro querendo ter nascido leve como a brisa, capaz de enxergar apenas o supérfluo e rir, rir o tempo todo desta vida desvairada.  Porém, nasci cabisbaixa, introspectiva, num mundo onde a tristeza é coisa de gente incompetente, incapaz de lidar com suas próprias emoções.

Minha alma chora. Me desculpem por ser inconveniente, por falar o que vocês não querem ouvir. Sei muito bem que achariam melhor se eu fizesse de conta que o que sinto não existe e jamais existiu. Que eu nunca existi?

Minha alma chora, imersa numa depressão profunda, sabendo que só os deprimidos como eu entenderiam essa tristeza sem fim, sem explicação, sem hora para chegar ou para partir. Acordo pensando: será que ela virá me visitar hoje? Se vier, quantos dias ficará? E rezo, rezo ardentemente para me livrar dela, sem querer admitir que ela é parte de mim, que cortar esse pedaço de mim mesma seria como me mutilar. Assim mesmo rezo, rezo ardentemente. E limpo a casa, cozinho, ando sem rumo ou leio livros inconsequentes. Rezo, esbravejo, bato portas, me calo, durmo. Tudo numa tentativa inútil de escapar esse meu eu que abomino, que me assusta, que me faz pensar em morte, mesmo sabendo que a depressão me quer viva para continuar neste tormento.

Os outros? Ah, os outros... Esses me aconselhariam a procurar alguma coisa para me distrair, para parar de pensar nos erros que cometi ou foram cometidos contra mim no passado. Na certa me diriam para sair dançando e rodopiando pelo mundo, bebendo e cantando, grata por todos os meus privilégios. Não entendem que a depressão é uma sombra ameaçadora, uma doença e, como toda doença, egoísta e ciumenta. Me quer só para ela. Consome os meus dias e noites. Quando ela chega de mansinho, ou bruscamente, penso só nela, enquanto ela me abraça como uma amiga íntima que me conhece há muito tempo. Espera quietinha pelos meus momentos de fraqueza, os pensamentos que invariavelmente me levarão a ela. Conhece meus segredos mais a fundo do que qualquer amante.

Quando ela me visita, o mundo exterior para de existir. O dia de sol perde seu brilho, a comida perde seu gosto, os entes queridos tornam-se inconvenientes. Como posso prestar atenção ao que se passa ao meu redor quando estou em perfeita simbiose com essa amante alucinada e sedutora que me agarra, me possui, me fecha os olhos e grita, numa voz mais poderosa do que o vento, que estaremos juntas para sempre, que ela jamais me abandonará?

As pessoas bem intencionadas me aconselham remédios, tratamentos inovadores, truques caseiros, que eu acalme meu coração e medite. Já tentei pensar em coisas positivas? Correr, nadar, levantar peso... Já experimentei fazer exercícios físicos?  Eu finjo ouvir, sabendo que tudo isso é apenas um paliativo, que a doença voltará depois de uns dias, umas semanas, uns meses. Não foi sempre assim? Ouço, educadamente, consciente de que a melancolia me espera escondida atrás de uma frase que me dizem sem intenção de magoar, mas que magoa, um relacionamento que já começou amaldiçoado, um ignorar de alguém que, para mim, naquele momento, tinha muita importância.

E assim continuamos, eu e ela, seguindo pelo mundo de braços dados, excluindo tudo e todos nos nossos momentos loucos de amor. Conheço-a tão bem, mas me envergonho quando quero falar dela. Como descrever essa parte de mim que ninguém quer ver?

 


14 comments:

  1. Um texto tristemente lindo, comovente, que continua ecoando mesmo quando a gente terminar sua leitura. Todo mundo deveria lê-lo para compreender melhor essa "amante desvairada".

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  2. Uau. Como vc conseguiu abordar essa questão num texto quase "de amor". Eu, honestamente, tenho dificuldadades pra entender esse dominio q a depressão exerce sobre as pessoas. Acredito q é td verdade, mas nao consigo compreender essa força q ela tem de levar pessoas a terem atitudes extremas, mesmo sabendo q são muito amadas.

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    1. Obrigada, Lu. Essa força é forte, irracional, não dá p resistir a ela.

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    2. Muito obrigada!

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  3. Adorei. Senti a emoção e me emocionei também. Que texto legal

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  4. Triste mas profundo. Mostrou sua alma

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  5. Que relato forte e ao mesmo tempo amoroso, de compreensão com o que se passa no seu interior e que não alcançamos, ainda que triste e perturbador. Já estive do lado de lá e sei o peso dessa gaiola. Continue facheando por aí, a pouca luz vai crescer gradativamente enquanto escreve. Um beijo grande, até a tarde no lançamento do A criança que existe em mim.

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  6. oi querida eis que a escrita explode, comemora e melhora o que ninguém quer ver ou sentir, mas todos nós, de uma forma ou de outra sentimos . viva a arte de escrever ... amei esse derramamento de coragem e realidade, se é que existe essa fronteira entre realidade e irrealidade ... vamos abolir as fronteiras e deixar a arte se escrever em nós . beijosss no coração

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  7. Obrigada Bel. Que comentario mais lindo. Bjs

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  8. I've been following your blog closely, and your latest posts continue to impress me beyond measure.

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