Dizem que
crianças são inocentes e boazinhas, mas eu não acredito nisso não. Eu, pelo
menos, fui muito malvadinha. Quando era pequena, pegava uma galinha e saía
correndo atrás da minha irmã, que morria de medo de galinha. Uma vez ela ficou
tão apavorada que subiu numa árvore imensa, da qual não conseguia descer. Minha
mãe ligou para o meu pai no trabalho e ele foi para casa, para resolver o problema.
Outra lembrança que tenho dela, da infância, era de ela voltando para casa de
jeep do Corumbaense, com um namorado, e querendo que eu voltasse com ela. Eu,
ruinzinha que era, ia a pé, me recusando
a subir no jeep com ela... No decorrer da vida, continuamos brigando muito. Nós
duas sempre tivemos temperamentos fortes e em várias ocasiões discutimos feio e
ficamos tempos brigadas. Mas acabávamos sempre fazendo as pazes. No final da
vida dela, trocamos muitas confidências e conversávamos muito sobre a doença
dela. Quando tive câncer no seio, pensei muito na minha irmã que nunca
reclamava. Esteve doente por muitos anos e encarou a doença com a cabeça
erguida, sem se sentir a última das criaturas.
Minha irmã
era uma guerreira. Lutava pela vida, tinha garra, determinação, alegria. Lutava
também pelas pessoas que amava. Quando me divorciei, ela foi me defender do meu
ex-marido. Apoiou minha irmã que morava em Manaus quando ela precisou de ajuda.
Esteve sempre presente na vida das minhas irmãs menores. Para a mais jovem, ela
foi como uma mãe, sempre protegendo-a e fazendo de tudo por ela.
Minha irmã
era elegantíssima. Adorava as coisas chics da vida. Ficou triste porque, devido
ao Covid, não pôde comemorar seu último aniverário
no melhor restaurante de Goiânia, onde morava desde o ano passado. Sua casa era
cheia de quadros, tapetes lindos e pratos de decoração enfeitando as paredes.
Ela vestia-se sempre como se estivesse indo para uma festa. Parece que já
acordava maquilada e toda arrumada. Com uma das minhas tias, sua companheira de
viagens à Europa e outros lugares, adorava frequentar hotéis requintados e
tomar um aperitivo.
Minha irmã
amava os animais (só não as galinhas). Quando sua cadelinha Neguinha faleceu,
sua tristeza foi imensa. Nos últimos anos, estava sempre trabalhando com
associações de proteção aos animais e adotou 4 gatos e um cachorrinho.
Minha irmã
amava o pantanal. Mudou-se para Goiânia para ter mais acesso à medicos e ficar
mais perto da filha mais jovem. Mas foi com o coração partido. Suas amigas de
infância continuaram sendo suas melhores amigas. Ela tinha orgulho de Corumbá,
amava as fazendas, sua chácara, e ia fazer compras na Bolívia quase todo dia. Sempre
achava coisas lindíssimas para comprar.
Minha irmã
amava a família. Seus dois netos eram suas maiores fontes de alegria. Tinha um
orgulho incrível da filha veterinária e da filha escritora. Tinha uma palavra
amiga para todos da nossa imensa família. Como era super generosa, estava
sempre dando presentes ou ouvindo quem precisava ser ouvido.
Ela foi-se
ontem, aos 70 anos de idade, depois de uma luta de 19 anos com um câncer. Tem
gente que passa por esta vida e não deixa quase saudades. Mas ela deixou muita
gente chorando e muita gente feliz por tê-la conhecido e ter a honra de
compartilhar da sua vida tão vibrante. Como ela tinha um coração imenso, espero
que tenha me perdoado pela maldade com as galinhas.
Farewell dear sister
They say that children are nice and innocent, but I don't
believe that. At least, I was very mean as a child. One day, when I was little,
I took a chicken and ran after my sister, who was terrified of chickens. She
was so scared that she climbed up a tree, from which she could not get down. My
mom called my dad at work and he went home to solve the problem. Another memory
I have of her, from our childhood, was of her returning home from the club in a
jeep, with a boyfriend, and wanting me to return with her. Spiteful as I was, I
refused to get in the jeep and kept walking instead ... Throughout life, we
continued to fight a lot. The two of us had strong temperaments and on several occasions
we argued often, but we always ended up making up. At the end of her life, we
exchanged many confidences and talked about her illness. When I had breast
cancer, I thought a lot about my sister who never complained. She was ill for
many years and faced the disease with her head held high, without behaving like
the world was ending.
My sister was a warrior. She fought for life, she had courage,
determination, and joy. She also fought for the people she loved. When I got
divorced, she defended me from my ex-husband. She supported my sister who lived
in Manaus when she needed help. She was always present in the lives of my
younger sisters. For the youngest, she was like a mother, always protecting her
and doing everything for her.
My sister was very elegant. She loved the chic things in
life. She was sad because, due to Covid, she was unable to celebrate her last
birthday at the best restaurant in Goiânia, where she lived since last year.
Her house was full of paintings, beautiful rugs and decorative plates adorning
the walls. She always dressed like she was going to a party. It seems that she
woke up each morning wearing make-up and all dressed up. With one of my aunts,
her travel companion to Europe and other places, she loved going to fancy
hotels and having an aperitif.
My sister loved animals (just not chickens). When her little
dog Neguinha passed away, her sadness was immense. In recent years, she worked
with animal protection associations and adopted 4 cats and a puppy.
My sister loved the wetland. She moved to Goiânia to have increased
access to doctors and to be closer to her youngest daughter. But she was sad.
Her childhood friends remained her best friends. She was proud of Corumbá,
loved the farms, her lands, and went shopping in Bolivia almost every day. She
always found beautiful things to buy.
My sister loved the family. Her two grandchildren were her
greatest sources of joy. She was incredibly proud of her veterinary daughter
and her writer daughter. She had a friendly word for everyone in our huge
family. She was super generous and was always giving gifts or listening to whomever
needed to be heard.
She passed yesterday, at the age of 70, after a 19-year
struggle with cancer. There are people who go through this life and don’t make
an impact. But she left a lot of people crying and a lot of people happy to
have met her and to have the honor of sharing her vibrant life. Since she had
an immense heart, I hope she has forgiven me for the prank with the chickens.
Pois é, Dete... Esta é a Nilza da qual me lembro. E acho que o medo de galinhas suscitava em nós , crianças , uma atração irresistível à maldade. Mas também me lembro de uma vez em Campo Grande, que encontramos umas galinhas soltas na calçada , e eu as prendi numa casa qualquer, pra proteger a Nilza. A última vez que nos encontramos foi no funeral da mamãe. A Nilza nos deixa saudades e muitas lembranças boas!
ReplyDeleteDeixa saudades imensas Maria Celia. Mas estava na hora dela ir. Bjs
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