Who would I be without books? I can't even imagine. They light and guide my life, they console me, make me laugh and think. If books did not exist, I would have to invent them. My life would be so impoverished, deprived of colors, excitement, questions.
Yesterday, my niece Valéria Polizzi, who is a wonderful writer, was telling me about Amos Oz, the well-known Israeli writer, who said in an interview that he opens his shop every day.
With or without inspiration, he sits down to write for six hours. Sometimes, the inspiration strikes him and he writes a lot. Sometimes, he writes only garbage. But, like a salesman, rain or shine he opens his shop and invites his customers, his characters, to come in. It is up to his "customers" to decide if they are coming in or not. He is there, ready for them.
The process of writing is different for every writer. I am not ready for my "customers" everyday. I have to think about my stories for days, sometimes years, before they are ready to jump onto the paper. My stories are very shy and enjoy living privately with me for a while, before being exposed to the scrutiny of other eyes.
The fear of using the wrong word in my writings, of not perfectly
expressing my thoughts, are always with me. They always have been. But they became even larger after I moved to the US and had to decide in which language to write.
I continued with Portuguese for a while, incapable of translating my
confusing thoughts in a language so new, so full of nuances that I couldn't fully comprehend. After some years in
the US, I dared to think that I mastered the English language
and switched to writing in it. Later on, I was asked by my family in Brazil to translate my blog to Portuguese and decided to go back to writing in my native language. As a result, I started feeling like an impostor in both languages. In neither was I
confident about using the words the way they should be used.
In Portuguese, I knew how to describe my feelings, how to cry and love with passion. But I didn't know anymore how
to talk playfully, how to use the words said so casually on a daily basis by people who live in the country. Even by my family, I was accused of being "Americanized", stiff.
In English, I could describe my feelings but not the ones of my characters, if they happened to be Americans. After all, I never could understand why an American would not say that he was ready to kill someone, when he was only angry, or say that he would not like to see a person ever again, when he meant only that he didn't want to see her that minute. How could someone answer the phone just saying "what is up" and
not ask about the other person's
health or use some term of endearment? My American characters just didn't seem real since I used my Brazilian mind to filter them.
It was only when I read the book "Lost in Translation - A life in a new language" by the Polish writer Eva Hoffman, that I finally understood that the sense of not fitting anywhere is part of the immigrant culture. In her insightful biography, Hoffman describes the ordeals of a Polish Jew who is forced to leave her country in 1959. She starts anew in Canada and from there moves to the US where she builds a successful career as a writer. Even though she is only thirteen when she departs Poland, for the rest of her life her soul would be divided, forever trapped in two worlds trying to decide who she is, always knowing that she doesn't belong anywhere.
The world of a writer is made of shadows, fears, hidden passions. The world of an immigrant is made of dreams, pretenses, unspoken desires. Both worlds coalesce and yet conflict. Divided between them, I hesitantly
open my shop and let my stories come alive, hoping that they will fly
around and find some happiness.
PERDIDA NA TRADUÇÃO
Quem seria eu sem
livros? Nem posso imaginar. Eles
iluminam e orientam a minha vida, me consolam, me fazem rir e pensar. Se os livros não
existissem, eu teria que inventá-los. Minha
vida seria pobre, desprovida de cores, emoções, perguntas.
Ontem, minha sobrinha Valéria Polizzi, que é uma escritora maravilhosa, estava me falando sobre Amos Oz, o conhecido escritor israelense, que confessou numa entrevista que abre sua loja todos os dias. Com ou sem inspiração, ele se senta para escrever durante seis horas. Às vezes, a inspiração bate e ele escreve bastante. Às vezes, escreve apenas bobagens. Mas, como um comerciante qualquer, faça sol ou chuva ele abre sua loja e convida seus fregueses, seus personagens, para entrar. Cabe aos seus "fregueses" decidir se entrarão ou não. Ele está lá, preparado para eles.
O processo de escrever é diferente para cada escritor. Eu não estou sempre preparada para meus “fregueses”. Tenho de pensar nas minhas histórias dias, às vezes anos, antes que elas estejam prontas para pular no papel. Minhas histórias são muito tímidas e gostam de ter uma certa privacidade só comigo, por um tempo, antes de se expor ao escrutínio de outros olhos.
O medo de usar a palavra errada nas minhas histórias, de não ser perfeitamente capaz de expressar meus pensamentos, sempre esteve e estará comigo. Mas tornou-se ainda mais forte depois que me mudei para os EUA e tive que decidir em qual língua escreveria.
Ontem, minha sobrinha Valéria Polizzi, que é uma escritora maravilhosa, estava me falando sobre Amos Oz, o conhecido escritor israelense, que confessou numa entrevista que abre sua loja todos os dias. Com ou sem inspiração, ele se senta para escrever durante seis horas. Às vezes, a inspiração bate e ele escreve bastante. Às vezes, escreve apenas bobagens. Mas, como um comerciante qualquer, faça sol ou chuva ele abre sua loja e convida seus fregueses, seus personagens, para entrar. Cabe aos seus "fregueses" decidir se entrarão ou não. Ele está lá, preparado para eles.
O processo de escrever é diferente para cada escritor. Eu não estou sempre preparada para meus “fregueses”. Tenho de pensar nas minhas histórias dias, às vezes anos, antes que elas estejam prontas para pular no papel. Minhas histórias são muito tímidas e gostam de ter uma certa privacidade só comigo, por um tempo, antes de se expor ao escrutínio de outros olhos.
O medo de usar a palavra errada nas minhas histórias, de não ser perfeitamente capaz de expressar meus pensamentos, sempre esteve e estará comigo. Mas tornou-se ainda mais forte depois que me mudei para os EUA e tive que decidir em qual língua escreveria.
Continuei com o português
por um tempo, incapaz de traduzir meus pensamentos confusos numa língua tão nova
para mim, tão cheia de nuances que eu não conseguia compreender plenamente.Depois
de alguns anos nos EUA, me atrevi a pensar que dominava o idioma inglês e passei
a escrever nele. Mais
tarde, minha família no Brasil me pediu para traduzir meu blog para o português
e decidi voltar a escrever em minha língua nativa. O
resultado é que comecei a me sentir como uma impostora em ambas as línguas. Em
nenhuma das duas sentia-me confiante de usar as palavras da maneira que deveriam
ser usadas.
Em português, sabia como descrever meus sentimentos, como chorar e amar com paixão. Mas não sabia mais como jogar conversa fora, usar as palavras ditas tão casualmente no dia a dia pelas pessoas que vivem no país. Mesmo pela minha família fui acusada de ter me tornado "americanizada", conservadora.
Em inglês, podia descrever meus sentimentos, mas não os de meus personagens, se fossem americanos. Afinal, eu nunca conseguira entender por que um americano não dizia que queria matar alguém, mesmo quando sentia apenas raiva, ou não dizia que não queria ver uma pessoa nunca mais, quando na verdade só não queria vê-la naquele minuto. Como poderia alguém atender o telefone dizendo "o que se passa" e nem perguntar sobre a saúde da outra pessoa ou usar algum termo carinhoso? Meus personagens americanos simplesmente não pareciam reais, pois eu usava a minha mente brasileira para filtrá-los.
Foi só quando li o livro "Perdido na tradução - Uma vida em um novo idioma", da escritora polonesa Eva Hoffman, que finalmente entendi como o sentimento de não se encaixar em nenhum lugar é constante entre muitos imigrantes. Na sua biografia tão perspicaz, Hoffman descreve os sofrimentos de uma judia polonesa, forçada a deixar seu país em 1959. Ela recomeça tudo no Canadá e de lá se muda para os EUA, onde constrói uma carreira bem sucedida como escritora. Mesmo tendo apenas treze anos quando sai da Polônia, pelo resto da vida sua alma será dividida, presa entre dois mundos, tentando decidir quem é, sabendo sempre que não pertence a lugar nenhum.
O mundo de um escritor é feito de sombras, medos, paixões ocultas. O mundo de um imigrante é feito de sonhos, faz de conta, desejos não expressos. Ambos os mundos se fundem e entram em conflito. Dividida entre eles, eu hesito mas abro minha loja, deixando que minhas histórias saiam e ganhem vida, na esperança de que voem por aí e encontrem alguma felicidade.
Em português, sabia como descrever meus sentimentos, como chorar e amar com paixão. Mas não sabia mais como jogar conversa fora, usar as palavras ditas tão casualmente no dia a dia pelas pessoas que vivem no país. Mesmo pela minha família fui acusada de ter me tornado "americanizada", conservadora.
Em inglês, podia descrever meus sentimentos, mas não os de meus personagens, se fossem americanos. Afinal, eu nunca conseguira entender por que um americano não dizia que queria matar alguém, mesmo quando sentia apenas raiva, ou não dizia que não queria ver uma pessoa nunca mais, quando na verdade só não queria vê-la naquele minuto. Como poderia alguém atender o telefone dizendo "o que se passa" e nem perguntar sobre a saúde da outra pessoa ou usar algum termo carinhoso? Meus personagens americanos simplesmente não pareciam reais, pois eu usava a minha mente brasileira para filtrá-los.
Foi só quando li o livro "Perdido na tradução - Uma vida em um novo idioma", da escritora polonesa Eva Hoffman, que finalmente entendi como o sentimento de não se encaixar em nenhum lugar é constante entre muitos imigrantes. Na sua biografia tão perspicaz, Hoffman descreve os sofrimentos de uma judia polonesa, forçada a deixar seu país em 1959. Ela recomeça tudo no Canadá e de lá se muda para os EUA, onde constrói uma carreira bem sucedida como escritora. Mesmo tendo apenas treze anos quando sai da Polônia, pelo resto da vida sua alma será dividida, presa entre dois mundos, tentando decidir quem é, sabendo sempre que não pertence a lugar nenhum.
O mundo de um escritor é feito de sombras, medos, paixões ocultas. O mundo de um imigrante é feito de sonhos, faz de conta, desejos não expressos. Ambos os mundos se fundem e entram em conflito. Dividida entre eles, eu hesito mas abro minha loja, deixando que minhas histórias saiam e ganhem vida, na esperança de que voem por aí e encontrem alguma felicidade.